Gentileza e Simplicidade


Por: Zeca Baleiro
Texto extraído da revista semanal IstoÉ
Edição 2018 (09/07/08)


Há alguns meses, estava eu numa lanchonete quando vi, do outro lado de uma pesada porta de vidro, um casal se aproximando com bandejas nas mãos. Vendo a sua dificuldade em abrir a porta com as mãos ocupadas, e vendo que ninguém ali no recinto esboçara qualquer atitude, saí da mesa em que estava sentado confortavelmente e puxei a porta para que os dois passassem. Passaram. E eu fiquei esperando um agradecimento qualquer, por tímido que fosse. Mas que nada!... Tempos depois, na recepção de um hotel, abri a porta para uma senhora que carregava sua mala com certo sacrifício e, de novo, nem um mísero "obrigado" ouvi.
Não que eu tenha feito tais favores com a intenção de ser laureado, com condecoração em praça pública, chave da cidade, comenda, quermesse e festa no sambódromo, mas penso que é muito alentador ouvir agradecimentos quando se presta um favor a alguém. Instaura-se uma tal atmosfera de "amistosidade" que, ainda que por um momento, nos dá a esperança de viver num mundo mais gentil, menos bárbaro.
Dar a vez no trânsito é um gesto com mais poder transformador que qualquer manifestação na porta do Congresso
Conto essas histórias para ilustrar a minha percepção de que hoje as pessoas raramente agradecem, talvez porque entendam a gentileza apenas no contexto dos serviços. O porteiro que carrega a mala, a recepcionista que dá a informação, o taxista que abre a porta, a aeromoça que retira a mala do bagageiro... A gentileza é um serviço, não um gesto espontâneo e desinteressado, logo agradecer seria um detalhe, não uma obrigação.
Gosto de fazer favores, como gosto de agradecer. Dar a vez no trânsito hoje em dia é um gesto com mais poder transformador que qualquer manifestação na porta do Congresso ou passeata na Paulista. "Gentileza gera gentileza", disse o folclórico profeta contemporâneo. E gratidão é nobreza, costuma dizer um amigo, filósofo de padaria.

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